Em todas as instituições sociais – e a língua é uma delas –, as normas que, por convenção e consenso, regulam a vida em sociedade, só aparentemente resistem à força da mudança e ao dinamismo do seu uso. A eficácia de qualquer normativo, seja linguístico, jurídico ou técnico, depende de duas dimensões que são, por um lado, a sua vigência num contexto histórico-social e, por outro, a sua permeabilidade à variação no tempo e no espaço, de acordo com mudanças científico-técnicas, necessidades e conceções sociais.
No campo das relações entre a língua e a sociedade/cultura/cognição, por imperativos que sejam os normativos de comportamento linguístico, já que estabelecem um dever ser que nada tem de condicional, o seu funcionamento é sempre uma construção histórica, assente num percurso evolutivo. No caso da língua portuguesa, amplamente reconhecida como pluricêntrica, este percurso evolutivo justifica a distinção proposta no tema do presente Painel (língua portuguesa e português de Portugal). Repensar o quadro linguístico específico de Portugal obriga a descentrar a reflexão desse contexto geográfico e nacional específico que é o país com o propósito de, ultrapassando a noção de língua como mero instrumento técnico de comunicação, visar o espaço cultural, social, histórico e político da língua portuguesa; repensar o quadro linguístico específico de Portugal requer, por outro lado, políticas de língua redimensionadas nas vertentes da sua internacionalização europeia, global, no espaço da CPLP e no espaço nacional, como afirmava Ivo Castro há uns anos. Difundida num espaço global e intercontinental ao longo de vários séculos, as suas fronteiras geolinguísticas e políticas tiveram consequências importantes para a formação dos seus sistemas de normas, que continuam a ser discutidos em termos de estabilização de variantes nacionais do português. Desta forma, o debate que o presente Painel propõe sobre o português de Portugal, alargado ao ensino, à reflexão metalinguística, ao conhecimento historiográfico, à formulação de políticas, é um repensar o diassistema da língua portuguesa.
O Painel convida à submissão de comunicações em torno dos seguintes tópicos de investigação:
1. O mono(euro)centrismo, bicentrismo e pluricentrismo linguísticos do português: historiografia de um percurso de formação e desenvolvimento de variedades nacionais.
2. A gestão do sistema de normas no século XXI e as suas relações de força, no quadro das projeções do quantitativo de falantes de português em Moçambique e Angola para o fim do século; papel do acordo internacional da ortografia de 1990.
3. A diversidade linguística e o multiculturalismo no ensino do português em Portugal, como língua materna e língua não materna; educação intercultural e multilingue; português do Brasil: representações, atitudes e perceções; línguas minoritárias em Portugal; dispositivos normativos da ordem jurídica portuguesa em matéria de gestão pedagógica do bicentrismo e pluricentrismo linguísticos.
4. Didática pluricêntrica do português como língua estrangeira; contextos multilingues de mobilidade e de migrações; condições de sobrevivência, resistência e afirmação dos crioulos africanos de base portuguesa, em contexto de imigração, em Portugal.
5. Diferentes variedades do português em Portugal; variação e mudanças linguísticas em curso ou já estabilizadas.
6. Desafios contemporâneos: questões de globalização; ferramentas da Inteligência Artificial para o português, e impacto na investigação e no ensino.